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Efeito de flutuação de texto ...:::JOÃO VITHOR E NICOLE:::...
Fórmulas especiais gratuíta é um direito da criança.
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Reportagens

Meus filhos não podem comer nada

Eles têm uma alergia rara. Não frequentam a escola e raramente saem de casa

Dona da história: Poliana da Cruz, 24 anos, dona-de-casa, Goiânia, GO
Reportagem: Vanessa Chaves
Conteúdo do site SOU MAIS EU!
 
Nicole e João Vithor têm alergia a todo
tipo de alimento. Basta um pedacinho
de batata para eles pararem no hospital
Foto: Weimer Carvalho
''Mamãe, posso comer?'' Cada vez que escuto essa frase meu coração fica em pedaços. Não porque falte comida em casa, mas porque meus filhos não podem se alimentar como as outras crianças. João Vithor, de 3 anos, e Nicole, de 1 ano e meio, têm uma doença muito rara, a alergia alimentar múltipla.

Eles vivem à base de uma espécie de leite com uma fórmula que não dá reação alérgica. Mas, sem uma alimentação normal, os corpos deles ficam com poucas defesas. Por isso, eles quase não saem de casa nem convivem com outras crianças para não pegar uma doença oportunista.

Descobrimos o problema quando João Vithor ainda era bebê. Ele mamava e vomitava em seguida. Chegou a passar um mês com diarreia. Os médicos viam a barriguinha inchada e diziam que eram gases. Eu e meu marido, Roger, quase não dormíamos, porque tínhamos de levar o João ao pronto-socorro dia sim, dia não. Até que a pediatra de um posto de saúde, que tinha filhos com alergia a alimentos, suspeitou do caso.

Os médicos tentaram descobrir a quais comidas o João Vithor reagia mal. Suspenderam o leite de vaca. Depois, os derivados de soja. Mais tarde, os alimentos com trigo. Finalmente nos pediram para tentar dar ao meu filho uma mistura de batata, arroz e banana. Um a um, esses itens tiveram de ser tirados das refeições. A cada comida que tentávamos dar, meu filhinho tinha uma reação: vômitos, diarreia, bolotas na pele e dificuldade para respirar.

Ele ficou tão fraco que não conseguia parar sentado

Por conta disso, o João Vithor não tinha resistência. A cada 15 dias tinha uma infecção de garganta. Meu menino ficou tão fraco que não conseguia mais parar sentado. Em setembro de 2007, aos 2 aninhos, ficou internado por um mês inteiro. Ele recebia na veia uma solução de aminoácidos, os pequenos pedaços que formam as proteínas. Os médicos decidiram que meu filho só poderia se alimentar com um leite que não dá alergia.

Cada lata custava R$ 120. Ele tinha de mamar de três em três horas. Era quase uma lata por dia. Para pagar, vendemos móveis, roupas, celular, tudo o que tínhamos em casa. Ficamos só com um banquinho na sala.

O problema é que os médicos concluíram que o leite ideal tinha de ter outra fórmula. O produto novo saía por mais de R$ 300. Alimentar meu filho por um mês custaria mais de R$ 10 mil. Impossível.

Longa espera por uma vida normal


Ou ele passa fome ou vai para o hospital

Quando o leite acaba, eu não sei o que fazer. Dou comida normal ou deixo os meus filhos passarem fome?

Dona da história: Poliana da Cruz, 24 anos, dona-de-casa, Goiânia, GO
Reportagem: Vanessa Chaves
----Ferramentas -----
Conteúdo do site SOU MAIS EU!
Cada lata de leite especial custa mais de R$ 300. Precisei entrar na Justiça para o governo nos fornecer esse produto de graça
Foto: Weimer Carvalho
Com muita luta, eu e meu marido entramos na Justiça e conseguimos que o governo fornecesse o leite de graça. O resultado foi imediato: João Vithor melhorou bastante.

Mas volta e meia há atrasos na entrega do leite. Nessas horas, juro que não sei o que fazer: deixo meu filho passando fome, dou alguma comida e fico esperando ele passar mal em seguida ou levo o João direto ao hospital e o deixo no soro? Teve um dia em que ele me pediu: ''Mamãe, por favor, eu não quero ir para o hospital''. Desmoronei.

A Nicole também tem a doença!

Quando o problema de João Vithor parecia estar sob controle, minha segunda filha, recém nascida, começou a adoecer. Tirei-a do peito e comecei a dar papinhas, mas ela ficava inchada, empolava, tinha diarreias. Não demorou muito até o diagnóstico chegar: Nicole também tem alergia alimentar múltipla.

Íamos viver tudo aquilo de novo. Mas tentamos ver pelo lado positivo: pelo menos uma criança não vai sofrer por ficar vendo a outra comer. Além disso, eu e meu marido adaptamos a nossa alimentação às restrições dos nossos filhos. Não comemos na frente deles.

E há muitos outros impedimentos. João Vithor e Nicole não podem ir a lugares para crianças, como parques de diversão. Se houver alguém gripado, eles podem adoecer. Os médicos não autorizaram o João Vithor a ir à escola. Se ele pegar uma doença, vai ter mais dificuldade de se recuperar, como acontece com quem tem AIDS. E minhas crianças ainda são alérgicas a vários remédios.

Talvez, quando maiorzinhos, lá pelos 7 anos, meus filhos fiquem menos sensíveis às causas da alergia. É minha esperança.

Há alguns dias, João Vithor comeu um pouco de batata e parou de respirar. Só Deus sabe do meu desespero! Encontro forças sonhando com o dia em que vou levar meus filhos ao mercado, encher o carrinho de coisas gostosas, preparar um belo almoço e dizer: ''Crianças, bom apetite



Eu e meu marido só comemos quando eles estão dormindo

Temos que comer em horários alternativos, senão meus filhos passam vontade

Dona da história: Poliana da Cruz, 24 anos, dona-de-casa, Goiânia, GO
Reportagem: Vanessa Chaves
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A doença dos meus filhos pesa bastante na rotina de casa. O João Vithor tem muita fome: se estou cozinhando, ele sente o cheiro e chega perto, querendo comer. Eu tenho de dizer não. Dói demais. Então, para não passar por isso, eu e meu marido comemos o mais rápido possível, de preferência quando as crianças estão dormindo. Almoçamos às 4 horas da tarde e jantamos depois das 10 da noite. Evitamos comprar coisas gostosas no mercado.

Longa espera por uma vida normal

Entenda as particularidades da alergia alimentar múltipla e como ela se desenvolve

Dona da história: Poliana da Cruz, 24 anos, dona-de-casa, Goiânia, GO
Reportagem: Vanessa Chaves
Conteúdo do site SOU MAIS EU!
A alergia alimentar múltipla é uma reação das defesas do organismo às proteínas dos alimentos. Ela provoca uma inflamação dos órgãos responsáveis pela digestão. As consequências mais comuns são diarreia, cólicas e vômito. De 6% a 8% das crianças têm algum tipo de alergia alimentar. Em geral, ela envolve uma comida específica. A alergia alimentar múltipla, ou seja, a alergia a vários tipos de alimento, é muito mais rara. Em geral, deve-se excluir das refeições tudo o que provocar reação.

A comida é substituída por uma fórmula especial sem proteínas. Na fabricação desse produto, os ingredientes são quebrados em partículas bem pequenas. Desse modo, o organismo não os reconhece como uma ameaça em potencial.

Os médicos afirmam que, por volta dos 5 anos de idade, os pais podem tentar incluir de novo alguns alimentos na dieta da criança. ''Outra técnica é introduzir no organismo do paciente doses bem pequenas da proteína à qual ele tem alergia. Assim, o corpo vai se acostumando aos poucos àquela substância e para de reagir'', explica a médica Ariana Campos Yang, coordenadora Ambulatório de Alergia Alimentar do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.
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Dieta de menino com alergia a comida custa R$ 9 mil por mês

Domingo passado, o Fantástico mostrou a história de um menino australiano totalmente alérgico a comida. Ele não pode comer nada. Encontramos crianças brasileiras que sofrem do mesmo problema.

Toda vez que João Vithor, de 4 anos, come um alimento proibido “A barriga fica grande, a bochecha fica [inchada], o cabelo vai lá para cima e o olho fica desse tamanho”, descreve o menino.

Ele tem alergia quase completa a comida. Só pode consumir um tipo especial de leite - que custa R$ 450 a lata e carne de rã.

“Só a dieta do João fica em torno de R$ 9 mil por mês. Aí tem a da Nicole também”, calcula a mãe de João Vithor e Nicole, Poliana da Cruz.

O cardápio da irmã, Nicole, é ainda mais restrito. Para ela, nada de rã. Só leite. A prefeitura de Goiânia banca o tratamento, mas a mãe diz que às vezes a ajuda atrasa. “Quinze dias que falta o leite significam 15 dias que vai passar fome”.

Francelene, de Petrópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro, também reclama da demora do governo. Ela diz que acabou se endividando para manter o estoque de leite de Guilherme, o filho alérgico a comida. Preço: R$ 550 a lata. Diz que pegou empréstimo com agiotas, quase perdeu a casa, e até pediu dinheiro na rua.

“Ele doente, muito fraco na cama, eu chorando, ele acordou e falou: ‘mamãe, por que você está chorando? Mamãe, não chora, não. Não chora, não, porque eu vou levantar desta cama e eu vou ganhar o leite’”, lembra a mãe de Guilherme, Francelene da Silva.

É difícil eles entenderem que não são como as outras crianças.

“Chega ao shopping, eu não posso ir nem na praça de alimentação com ele, porque ele vai sentir o cheiro da comida e vontade de comer”, lamenta o pai de João Vithor e Nicole, Roger Rios.

Alergias graves estão se tornando cada vez mais comuns, como mostra uma série especial da BBC que o Fantástico começou a exibir domingo passado.

“Por volta de 30% da população mundial tem alergia. Acreditam até que até o final do século isso deve chegar a quase metade da população”, informa o vice-presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia Fábio Castro.

Alergia é uma batalha exagerada do organismo para expulsar um corpo estranho. Existem várias explicações, nenhuma definitiva. Os cientistas apostam numa combinação de genética com exposição a poluentes e outros produtos químicos da vida moderna. A batalha contra a asma em duas ilhas ilustra a teoria.

Barbados, no Caribe: os casos de asma aumentaram dez vezes nos últimos 20 anos. Atingem, hoje, 20% da população. Para os médicos, uma epidemia.

"A explicação pode estar no processo acelerado de urbanização do país, com muito mais carros e poluição", diz a alergista Kathleen Barnes.

O fator hereditário da asma começou a ser desvendado em um lugar perdido no Atlântico Sul. Tristão da Cunha é a ilha mais remota do planeta. São sete dias de barco para chegar até aqui. Pelo isolamento extremo, é um laboratório natural para estudos genéticos. Metade da população tem asma. Um índice sem igual no mundo. O motivo: os cerca de 300 habitantes descendem de apenas sete famílias.

O casamento entre parentes acabou espalhando o gene da asma. Quem investigou a linhagem dos moradores e isolou o gene foi um cientista brasileiro - Noé Zamel, da Universidade de Toronto, no Canadá. Mas ele é cauteloso.

"A descoberta não explica todo o problema da asma. É apenas uma peça do quebra-cabeça", destaca o professor da Universidade de Toronto Noé Zamel.

Existe também uma hipótese evolutiva. Pesquisas mostraram que o anticorpo que dispara a maioria das alergias tinha uma função bem diferente nos primórdios da humanidade. O IGE era uma proteção contra parasitas que infestavam o homem há milhares de anos.

Em pouquíssimo tempo, na escala biológica, a urbanização, os remédios e os hábitos de higiene transformaram nossas vidas. Sem ter o que combater, o IGE voltou suas armas para invasores inofensivos - poeira, por exemplo.

Mas e quando o inimigo parece atacar por todos os lados? Em Houston (EUA) pessoas se dizem tão alérgicas que nem a equipe de tevê pôde chegar perto. Eles sofrem de "sensibilidade química múltipla". A portadora de sensibilidade química múltipla Nancy Van Afflen só dirige de luvas. "Sou alérgica ao vinil e ao poliéster", ela diz.

A máscara e o cilindro de oxigênio protegem contra supostas toxinas no ar. Dentro da casa, tudo esterilizado. Os móveis foram adaptados. "Esse compensado não leva resina, nem formol. A cola é à base de soja", mostra Nancy.

Para alguns médicos, a explicação para a "sensibilidade química múltipla" talvez seja psicológica. Como Nancy, muitas pessoas acreditam que têm alergia, mas nem sempre isso é verdade.

"Talvez apenas 1% ou 2% dos adultos sejam realmente alérgicos", afirma a psicóloga Rebecca Knibb.

Muita gente também confunde alergia com intolerância. Alergia é uma resposta de defesa do corpo, geralmente imediata. Coceira, espirros ou falta de ar são alguns dos sintomas. Já a intolerância, de efeito mais lento, é a falta de enzimas, que são um tipo de proteína para digerir certos alimentos.

“O alimento fica pesado, às vezes fica tendo uma diarréia contínua, toda vez que come aquele alimento”, explica o alergista Fábio Castro.

Alergia não tem cura, mas pode ser controlada. Guilherme, de Petrópolis, tem voltado a comer aos poucos.

“Peito de peru, coelho, frango. Às vezes reage bem mal”, comenta a mãe de Guilherme, Francelene da Silva.

Em Goiânia, Nicole e João Vithor ainda não tiveram essa sorte. “Ele mesmo fala que papai do céu está curando ele, e que ele logo vai ficar bom e vai comer de tudo”, diz a mãe dos meninos.

“Vai ter leite de vaca, bolo no meu aniversário, quando eu sarar”, planeja o pequeno João Vithor, de 4 anos.

A prefeitura de Petrópolis afirmou, em e-mail enviado ao Fantástico, que os atrasos na entrega do leite de Guilherme não ocorreram na atual gestão.

De janeiro a junho de 2009, segundo a nota, o menino recebeu o leite em dia. A partir de então, como ele já estava comendo normalmente, sob orientação médica, o fornecimento foi interrompido.